quarta-feira, 12 de agosto de 2009

o livro da semana . 1996


1
asas sobre berlin
 
acabou

lua cheia na última noite
e lembranças para a eternidade
e eu
pelos ares
como uma ave assustada
para logo mais
e novamente
tornar-me camareira

merda!
por que só falar de mim em momentos de tempestade?
não sinto nada
tudo sempre termina ao acabar de começar
oco
vazio
os olhos de pequeno animal perdido na floresta

já não sei quem sou
mas sei que não serei trapezista
nem sempre as coisas acontecem à altura dos desejos
sou estrangeira
e tudo é familiar

continuo
mesmo em trajes de camareira

a angústia atordoa
parte acredita
e a outra não crê em coisa alguma
como pensar?
sei tão pouco
e agora mesmo pensava de forma tão equivocada
o néon do entardecer transborda 
as pedras aconchegam-se ao leito do rio

o domingo tranquilo
as bicicletas e o vento
o mundo em profundo crepúsculo
essa cantilena me salva
me protege para'lém do futuro

cômica tocadora de realejo
nada penso de nada
a consciência extrema
o entusiasmo 
o destino egoísta
dias e noites 
a poesia do ar

a história da terra 
do fogo e da água
danças e signos
escrita
heras e marcas 

sou espectadora
transformo-me repentina
toco uma maçã
colho cerejas sobre o abismo
e assusto-me diante de estranhos como um cão
sou tão pouco

algo acontece
diferente do habitual 
de outra espécie
e fica
era uma vez e será
amanhã será lua nova
nada mais 

sereno
sei o que nenhum anjo sabe


2
a língua na virilha
sevícias, uivos, caninos
a vida que numa noite fica


3
corcovado park
 
um poema inesquecível
uma pequena agulha 
para saber se há alguém

aguda e certeira
registro exata
o que corre com o sangue
nas interiores paredes
no lado do avesso
no amor interminável
na insaciedade

tudo é ornamental
a paisagem em torno
a arte de astúcia
o ardor dos precipícios
a letra a da aurora

amo 
e tudo é harmonioso
como uma equação de álgebra


4
devoro a tarde
como um elefante

demoro-me

vem a noite
vem sempre após
a vida é lenta


5
os dias selvagens ensinam
  
tudo é mundo e tudo
morre ou mais que morre
talvez acaso, talvez atroz
e tudo é outro para sempre

não tento um verso que desculpe
o desconforto com que as palavras persistem
matéria ambígua e evasiva
que não é matéria nem coisa de modo algum

é noite
dentro também
escuramente fundo e incrível
dentro da noite verdadeira

a palavra recusa o esperável 
o quase, o erro
a disposição de ordem e classe
longe é o túnel
longe e longe


6
todo poema é reconstrução
o que compreendo
e o que não compreendo també
m

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